Imagine a seguinte situação: uma mulher é casada com um homem e após anos de casamento descobre que ele a traiu. Pede divórcio e coloca fim ao vínculo conjugal. Depois disso, fica sabendo e confirma que seu ex-marido mantém em seu Facebook fotos suas de quando ainda eram casados.
É inegável, especialmente em razão das circunstâncias do término, que a ex-mulher se sentiu incomodada e pediu a exclusão das fotos. Ao não ser atendida, resolve pedir ao Judiciário que o homem seja condenado a excluir referidas fotos.
Ao analisar o caso, o Tribunal de Justiça de São Paulo, por unanimidade, condenou o homem a excluir do seu Facebook fotos de sua ex-mulher, ainda que elas tenham sido postadas com o seu consentimento, concedido, entretanto, na época em que eram casados. Para os desembargadores, faltou ao ex-marido consentimento posterior para tal. Para garantir que a atitude não se repita, os Desembargadores fixaram multa de R$ 1.000,00 a casa vez que o homem inserir nova foto.
Em sua defesa, o homem alegou que as fotos não atingiram a honra de sua ex-mulher, uma vez que ela tinha consentido com a publicação das imagens, além de terem sido postadas durante a relação conjugal, indício de que não teria objetivo de atingir a imagem dela.
Tanto o Juiz de primeira instância como os Desembargadores entenderam que é possível e até compreensível que o homem queira guardar recordações de seu casamento, porém, ponderaram que não é preciso torná-las públicas em redes sociais.
Além do mais, entenderam que mesmo que as fotos não apresentem conteúdo vexatório, a mulher tem o direito de não as ver publicadas sem o seu consentimento e, por isso, tem o direito de ter o seu conteúdo removido.
O caso envolve a ponderação entre direito de imagem e liberdade de expressão. O art. 20 do Código Civil trata do direito à imagem. Para facilitar a compreensão, vejamos:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. (Vide ADIN 4815Sobre o tema, recomendamos a leitura da ADIN 4815.)
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
O direito à imagem expressa o controle que a pessoa possui sobre sua representação, compreendendo qualquer tipo de reprodução.
Todavia, interpretação literal do referido dispositivo leva a crer, equivocadamente, que a imagem somente estaria protegida contra usos não autorizados “se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”.
Isto é, a proteção da imagem ficaria condicionada à configuração de uma lesão à honra ou do uso para uma finalidade comercial. Essa interpretação restritiva vai de encontro ao art. 5º, inciso X, da Constituição da República, que assegura, sem condicionar a lesão, a inviolabilidade da imagem das pessoas.
Nesse sentido, vale lembrar que o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 403. De acordo com o verbete, “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”.
Não se pode olvidar, contudo, que em determinadas situações haverá colisão entre o direito à imagem e a liberdade de expressão e de informação. Entendemos que nesse caso haverá a necessidade de que o magistrado aplique a técnica da ponderação, para com isso analisar qual interesse deve prevalecer ao caso concreto.
A doutrina propõe parâmetros para ajudar os magistrados ao realizar o exercício da ponderação: “A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações” (Enunciado 279 da IV Jornada de Direito Civil).