Informativo: 685 do STJ – Direito Penal
Resumo: O mentor intelectual dos atos libidinosos responde pelo crime de estupro de vulnerável.
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No estupro de vulnerável é punida a conduta de quem tem conjunção carnal ou pratica outro ato libidinoso com vítima menor de 14 anos (caput) ou portadora de enfermidade ou deficiência mental incapaz de discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não tenha condições de oferecer resistência (§ 1º) – pouco importando, neste último caso, se a incapacidade foi ou não provocada pelo autor.
A conduta de praticar atos libidinosos abrange o ato sexual em que a vítima adota um comportamento passivo (permitindo que com ela se pratiquem os atos) ou um comportamento ativo (praticando os atos de libidinagem). O STJ já considerou perfeita a conduta típica em situação na qual a vítima foi encontrada nua na presença do autor do crime, que a contemplava lascivamente:
“O Parquet classificou a conduta do recorrente como ato libidinoso diverso da conjunção carnal, praticado contra vítima de 10 anos de idade. Extrai-se da peça acusatória que as corrés teriam atraído e levado a ofendida até um motel, onde, mediante pagamento, o acusado teria incorrido na contemplação lasciva da menor de idade desnuda. Discute-se se a inocorrência de efetivo contato físico entre o recorrente e a vítima autorizaria a desclassificação do delito ou mesmo a absolvição sumária do acusado.
A maior parte da doutrina penalista pátria orienta no sentido de que a contemplação lasciva configura o ato libidinoso constitutivo dos tipos dos arts. 213 e 217-A do Código Penal – CP, sendo irrelevante, para a consumação dos delitos, que haja contato físico entre ofensor e ofendido.
O delito imputado ao recorrente se encontra em capítulo inserto no Título VI do CP, que tutela a dignidade sexual. Cuidando-se de vítima de dez anos de idade, conduzida, ao menos em tese, a motel e obrigada a despir-se diante de adulto que efetuara pagamento para contemplar a menor em sua nudez, parece dispensável a ocorrência de efetivo contato físico para que se tenha por consumado o ato lascivo que configura ofensa à dignidade sexual da menor. Com efeito, a dignidade sexual não se ofende somente com lesões de natureza física. A maior ou menor gravidade do ato libidinoso praticado, em decorrência a adição de lesões físicas ao transtorno psíquico que a conduta supostamente praticada enseja na vítima, constitui matéria afeta à dosimetria da pena, na hipótese de eventual procedência da ação penal […]” (RHC 70.976/MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe 10/8/2016).
Ainda a respeito das formas pelas quais o delito pode ser cometido, baseando-se no julgado citado acima o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve condenação na qual um indivíduo havia induzido uma criança a praticar nela mesma atos libidinosos enquanto fazia transmissões ao vivo pela internet:
“Prova amplamente incriminatória. Relatos coerentes e convincentes da vítima, criança de apenas 10 anos de idade à época dos fatos, dando conta de que, em duas oportunidades, manteve contato com o réu, pessoa que conheceu pela internet, por meio de WebCam, oportunidade em que ele se despiu, passando a praticar masturbação, instando-o a também manipular seu pênis, com o que concordou, ambos se masturbando simultaneamente. A palavra da vítima, em delitos que atentam contra a dignidade sexual, porque geralmente praticados sem testemunhas, assume especial relevância, principalmente quando encontra amparo no restante do contexto probatório, notadamente os diálogos anexados aos autos, dos quais se depreende claramente que o réu efetivamente praticava atos libidinosos diversos da conjunção carnal com o menor. Relatos vitimários corroborados, ainda, pelas declarações de seu genitor, acerca da descoberta dos abusos e deflagração da investigação policial, em consonância com os dizeres dos policiais civis que atuaram na ocorrência, esclarecendo que o increpado foi localizado por meio dos IP’s dos locais onde ele utilizava o perfil falso que mantinha na rede social Facebook. Acusado que, embora negando ter se masturbado na frente da vítima, admitiu, em seu interrogatório judicial, que em uma oportunidade visualizou o menino manipulando o órgão genital por meio da WebCam, sustentando que “ambos se estimularam a se exibir”. Ação delituosa praticada pelo indigitado que se enquadra perfeitamente na conceituação de atos libidinosos diversos da conjunção carnal, dedicados a satisfazer a libido deturpada do agente. Tipo penal que pode se configurar a despeito da ausência de contato físico, quando suficiente a mera “contemplação lasciva”. Precedentes do E. STJ. Tipicidade incontroversa” (Apelação nº 70080331317, Rel. Des. Fabianne Breton Baisch, j. 30/01/2020).
Seguindo essa tendência de dispensar o contato direto entre o agente e a vítima, o STJ decidiu manter a condenação de um homem que, na qualidade de mentor intelectual, incitou duas mulheres a praticarem atos libidinosos com crianças e a lhe enviarem as imagens correspondentes:
“Discute-se a possibilidade de não tipificação do estupro de vulnerável em virtude da ausência de contato físico entre o agente e as vítimas.
No caso, as instâncias de origem delinearam e reconheceram a ocorrência de todos os elementos contidos no art. 217-A do Código Penal, com destaque à qualidade de partícipe do réu, diante da autoria intelectual dos delitos, bem como da prescindibilidade de contato físico direto para a configuração dos crimes.
Sobre o tema, frisa-se que é pacífica a compreensão de que o estupro de vulnerável se consuma com a prática de qualquer ato de libidinagem ofensivo à dignidade sexual da vítima, conforme já consolidado por este Superior Tribunal de Justiça.
Doutrina e jurisprudência sustentam a prescindibilidade do contato físico direto do réu com a vítima, a fim de priorizar o nexo causal entre o ato praticado pelo acusado, destinado à satisfação da sua lascívia, e o efetivo dano à dignidade sexual sofrido pela ofendida.
Ressalta-se que os precedentes desta Corte já delinearam a chamada contemplação lasciva como suficiente para a configuração de ato libidinoso, elemento indispensável constitutivo do delito do art. 217-A do Código Penal. A ênfase recai no eventual transtorno psíquico que a conduta praticada enseja na vítima e na real ofensa à sua dignidade sexual, o que torna despicienda efetiva lesão corporal física por força de ato direto do agente. Nesse sentido: HC 611.511/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma., DJe 15/10/2020 e RHC n. 70.976/MS, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, 5ª Turma, DJe 10/08/2016.
Em reforço, lembra-se que, em se tratando de vítima menor de 14 anos, a proteção integral à criança e ao adolescente, em especial no que se refere às agressões sexuais, é preocupação constante de nosso Estado (art. 227, caput, c/c o § 4º, da Constituição da República) e de instrumentos internacionais (art. 34, “b”, da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Resolução n. 44/25 da ONU, em 20/11/1989, e internalizada no ordenamento jurídico nacional, mediante o Decreto Legislativo n. 28/1990).
Na situação em exame, ficou devidamente comprovado que o acusado agiu mediante nítido poder de controle psicológico sobre as outras duas agentes, dado o vínculo afetivo entre eles estabelecido. Assim, as incitou à prática dos atos de estupro contra as infantes (ambas menores de 14 anos), com o envio das respectivas imagens via aplicativo virtual, as quais permitiram a referida contemplação lasciva e a consequente adequação da conduta ao tipo do art. 217-A do Código Penal.
Por fim, cumpre registrar que esta Corte Superior também reconhece a prática do delito de estupro no qual o agente concorre na qualidade de partícipe, tese que se coaduna com parte da fundamentação lançada pelo Juízo de origem e que, igualmente, se amolda ao caso dos autos. Nessa linha: RHC 110.301/PR, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5ª Turma, DJe 11/06/2019” (HC 478.310, j. 09/02/2021).
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