Informativo: 668 do STJ – Processo Penal
Resumo: O processamento do réu pela prática da conduta descrita no art. 28 da Lei de Drogas no curso do período de prova deve ser considerado como causa de revogação facultativa da suspensão condicional do processo.
Comentários:
O art. 89 da Lei 9.099/95 permite a suspensão condicional do processo nos crimes cuja pena mínima não seja superior a um ano. O processo pode ser suspenso por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (sursis).
Como todo benefício de natureza semelhante, a suspensão condicional do processo pode ser revogada. Dá-se obrigatoriamente a revogação se, no curso do prazo, o beneficiário vem a ser processado por outro crime ou não efetua, sem motivo justificado, a reparação do dano (art. 89, § 3º). Por outro lado, pode ocorrer a revogação se o acusado é processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumpre qualquer outra condição imposta (art. 89, § 4º).
Em tese, o indivíduo que, no curso da suspensão, é processado por posse de drogas para uso próprio (art. 28 da Lei 11.343/06) deve ter o benefício revogado, pois, segundo a orientação dominante, condutas relacionadas a drogas para uso continuam criminosas, embora não sejam punidas com privação da liberdade.
Ocorre que, ultimamente, o STJ tem mitigado alguns efeitos decorrentes do crime de posse de drogas para consumo. Na visão do tribunal, a condenação por esse crime não provoca os efeitos da reincidência. Argumenta-se que não se justifica que a condenação por posse de drogas para consumo pessoal agrave a pena pela reincidência porque sequer a condenação anterior por contravenção penal – à qual normalmente se comina prisão simples – tem esse efeito:
“Cabe ressaltar que as condenações anteriores por contravenções penais não são aptas a gerar reincidência, tendo em vista o que dispõe o artigo 63 do Código Penal, que apenas se refere a crimes anteriores. E, se as contravenções penais, puníveis com pena de prisão simples, não geram reincidência, mostra-se desproporcional o delito do artigo 28 da Lei 11.343/2006 configurar reincidência, tendo em vista que nem é punível com pena privativa de liberdade” (HC 453.437/SP, j. 04/10/2018).
Como invocou a contravenção penal para decidir sobre a reincidência, o STJ fez o mesmo a respeito da revogação da suspensão condicional do processo, que, como vimos, é facultativa na situação em que alguém é processado por contravenção:
“Em princípio, ressalte-se que a conduta prevista no artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 não foi descriminalizada, mas apenas despenalizada pela nova Lei de Drogas, razão pela qual a sua prática tem aptidão para gerar os mesmos efeitos secundários que uma condenação por qualquer outro crime gera, como a reincidência e a revogação obrigatória da suspensão condicional do processo, conforme previsto no artigo 89, § 3º, da Lei n. 9.099/1995.
Todavia, quanto ao crime descrito no artigo 28 da Lei de Drogas, cumpre destacar que importantes ponderações no âmbito desta Corte Superior têm sido feitas no que diz respeito aos efeitos que uma condenação por tal delito pode gerar.
Em recente julgado deste Tribunal entendeu-se que “em face dos questionamentos acerca da proporcionalidade do direito penal para o controle do consumo de drogas em prejuízo de outras medidas de natureza extrapenal relacionadas às políticas de redução de danos, eventualmente até mais severas para a contenção do consumo do que aquelas previstas atualmente, o prévio apenamento por porte de droga para consumo próprio, nos termos do artigo 28 da Lei de Drogas, não deve constituir causa geradora de reincidência” (REsp 1.672.654/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 21/08/2018, DJe 30/08/2018).
Nesse sentido, vem-se entendendo que a prévia condenação pela prática da conduta descrita no art. 28 da Lei n. 11.343/2006 não configura reincidência e, assim não pode obstar, por si só, a concessão de benefícios como a incidência da causa de redução de pena prevista no § 4º do art. 33 da mesma lei ou a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
O principal fundamento para este entendimento toma por base uma comparação entre o delito do artigo 28 da Lei de Drogas e a contravenção penal, concluindo-se que, uma vez que a contravenção penal (punível com pena de prisão simples) não configura a reincidência, revela-se desproporcional considerar, para fins de reincidência, o prévio apenamento por posse de droga para consumo próprio (que, embora seja crime, é punido apenas com advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, ou seja, medidas mais amenas).
Adotando-se tal premissa mostra-se desproporcional que o mero processamento do réu pela prática do crime previsto no artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 torne obrigatória a revogação da suspensão condicional do processo (art. 89, § 3º, da Lei n. 9.099/1995), enquanto que o processamento por contravenção penal (que tem efeitos primários mais deletérios) ocasione a revogação facultativa (art. 89, § 4º, da Lei n. 9.099/1995). Assim, é mais razoável que o fato da prática do crime previsto no artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 seja analisado como causa facultativa de revogação do benefício da suspensão condicional do processo, cabendo ao magistrado proceder nos termos do § 4º do artigo 89 da Lei n. 9.099/2006 ou extinguir a punibilidade (art. 89, § 5º, da Lei n. 9.099/1995), a partir da análise do cumprimento das obrigações impostas” (REsp 1.795.962/SP, j. 10/03/2020).
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