Informativo: 680 do STJ – Processo Penal
Resumo: As inovações do Pacote Anticrime na Lei n. 9.296/1996 não alteraram o entendimento de que é lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro.
Comentários:
Conforme dispõe o art. 5º, inc. XII, da CF/1988, “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Com o fim de regulamentar a parte final do dispositivo constitucional, a Lei 9.296/1996 anuncia logo no seu artigo inaugural:
“Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.
Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática”.
Em que pese o dispositivo fazer referência somente à interceptação das comunicações telefônicas (abrangendo o fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática), outros meios extraordinários de captação de conversas chamam a atenção. Vejamos, em resumo, suas definições.
• Interceptação de conversa telefônica: é realizada por terceira pessoa, que atua sem o conhecimento dos interlocutores.
• Escuta telefônica: é a captação da conversa realizada por terceiro, mas com a ciência de um dos interlocutores.
• Gravação telefônica, realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro.
A interceptação telefônica, sem dúvida, demanda autorização judicial. A gravação telefônica dispensa a ordem judicial, pois nela não há a figura do terceiro. A escuta, por sua vez, desperta indisfarçável controvérsia, havendo precedentes do STF que nela identificam uma espécie de interceptação, já que realizada por terceiro:
“IV. Escuta gravada da comunicação telefônica com terceiro, que conteria evidência de quadrilha que integrariam: ilicitude, nas circunstâncias, com relação a ambos os interlocutores. 5. A hipótese não configura a gravação da conversa telefônica própria por um dos interlocutores – cujo uso como prova o STF, em dadas circunstâncias, tem julgado lícito –, mas, sim, escuta e gravação por terceiro de comunicação telefônica alheia, ainda que com a ciência ou mesmo a cooperação de um dos interlocutores: essa última, dada a intervenção de terceiro, se compreende no âmbito da garantia constitucional do sigilo das comunicações telefônicas e o seu registro só se admitirá como prova, se realizada mediante prévia e regular autorização judicial. 6. A prova obtida mediante a escuta gravada por terceiro de conversa telefônica alheia é patentemente ilícita em relação ao interlocutor insciente da intromissão indevida, não importando o conteúdo do diálogo assim captado. 7. A ilicitude da escuta e gravação não autorizadas de conversa alheia não aproveita, em princípio, ao interlocutor que, ciente, haja aquiescido na operação; aproveita-lhe, no entanto, se, ilegalmente preso na ocasião, o seu aparente assentimento na empreitada policial, ainda que existente, não seria válido. 8. A extensão ao interlocutor ciente da exclusão processual do registro da escuta telefônica clandestina – ainda quando livre o seu assentimento nela – em princípio, parece inevitável, se a participação de ambos os interlocutores no fato probando for incindível ou mesmo necessária à composição do tipo criminal cogitado, qual, na espécie, o de quadrilha. V. Prova ilícita e contaminação de provas derivadas (fruits of the poisonous tree). 9. A imprecisão do pedido genérico de exclusão de provas derivadas daquelas cuja ilicitude se declara e o estágio do procedimento (ainda em curso o inquérito policial) levam, no ponto, ao indeferimento do pedido” (HC 80.949, j. em 30/10/2001).
Vale ressaltar, no entanto, que no HC 161.053/SP o STJ, durante os debates entre os ministros, concluiu que, para a escuta, não seria necessária autorização judicial.
Quando ambientais, as três formas dispensavam ordem judicial. A Lei de Abuso de Autoridade, contudo, ao dar nova redação ao art. 10 da Lei 9.296/1996, mudou o cenário. Vejamos o quadro comparativo abaixo :
Lei 13.869/2019 |
Lei 9.296/1996 |
“Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena a autoridade judicial que determina a execução de conduta prevista no caput com objetivo não autorizado em lei.” (NR) |
Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
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Percebe-se da comparação que a Lei 13.869/2019 se valeu do único tipo incriminador da Lei 9.296/1996 para condicionar não somente a interceptação telefônica, mas também a escuta ambiental a prévia autorização judicial. Com a vigência da Lei 13.964/19, o cenário muda novamente, pois o legislador resolveu punir, de forma independente (art. 10-A), a captação ambiental (interceptação e escuta), revogando, nesse ponto, o art. 10 da Lei 9.296/1996:
Lei 13.964/2019 |
Art. 10-A. Realizar captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos para investigação ou instrução criminal sem autorização judicial, quando esta for exigida:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. § 1º Não há crime se a captação é realizada por um dos interlocutores. § 2º A pena será aplicada em dobro ao funcionário público que descumprir determinação de sigilo das investigações que envolvam a captação ambiental ou revelar o conteúdo das gravações enquanto mantido o sigilo judicial. |
As alterações legais não abrangem, porém, a gravação ambiental, realizada por um dos interlocutores, na presença mas sem o conhecimento do outro. Neste caso, não há necessidade de autorização judicial:
“Na hipótese, depois de firmado acordo de colaboração premiada ocorreu a gravação ambiental de conversa realizada por um dos interlocutores, em repartição pública, sem o conhecimento dos outros, o que, apesar de clandestina, não consubstancia prova ilícita, conforme reconhecido pela jurisprudência deste Superior Tribunal.
Atualmente, existe tratamento diferenciado na jurisprudência entre: a) interceptação – captação de comunicação alheia e sem conhecimento dos comunicadores, de forma sub-reptícia; b) escuta – captação de conversa, por terceiro, com o consentimento de um dos interlocutores e c) gravação – captação feita por um dos próprios comunicadores sem que o outro saiba.
A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a gravação ambiental realizada por colaborador premiado, um dos interlocutores da conversa, sem o consentimento dos outros, é lícita, ainda que obtida sem autorização judicial, e pode ser validamente utilizada como meio de prova no processo penal.
No mesmo sentido é o precedente do Supremo Tribunal Federal, exarado na QO-RG RE 583.937/RJ, de que, desde que não haja causa legal de sigilo, “é lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro” (Tema 237).
Na oportunidade, o Colegiado concluiu que a disponibilização de conteúdo de conversa por partícipe, emissor ou receptor, significaria apenas dispor daquilo que também é seu, sem que se possa falar em interceptação, sigilo de comunicação ou de intromissão furtiva em situação comunicativa. Não se delimitou que a gravação de conversa por um dos participantes do diálogo seria lícita somente se utilizada em defesa própria, nunca como meio de prova da acusação.
É mister ressaltar, ainda, que a Lei n. 9.296, de 24/7/1996, mesmo com as inovações trazidas pela Lei n. 13.964/2019, não dispôs sobre a necessidade de autorização judicial para a gravação de diálogo por um dos seus comunicadores.
Consta, em dispositivo novo da Lei n. 9.296/1996 (art. 10-A, § 1º) que não há crime se a captação é realizada por um dos interlocutores.
Remanesce a reserva jurisdicional apenas aos casos relacionados à captação por terceiros, sem conhecimento dos comunicadores, quando existe a inviolabilidade da privacidade, protegida constitucionalmente” (HC 512.290/RJ, j. 18/08/2020).
Para se aprofundar, recomendamos:
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